Monopólio do Saber – espectro feminino na literatura
Dos 113 ganhadores do prêmio Nobel de Literatura, desde 1901, apenas 14 são mulheres
As mulheres foram sempre musas, sempre inspirações, sempre idealizadas. Nunca reais. São romanticamente metamorfoseadas em legiões de anjos. Antes fossem em baratas, seja de Kafka ou de Lispector, pelo menos apareceriam no campo tangível. Não assinam suas obras; se não assinam, vivem sob o discurso do outro. Aliás, anônimo é quase um nome feminino, tão usado foi por elas como pseudônimo. A mulher é construída, narrada, usada, e, por isso, inexistente.
O Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa), ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), aponta a homogeneidade de gênero e de raça entre os vencedores do prêmio Nobel.
Dentre eles, 94% são brancos; homens e europeus constituem 88% e 69%, respectivamente. Somente 12% são mulheres, o que denuncia que a História é uma “orquestra irônica” de homens brancos que, como deuses, rege o destino da humanidade numa espécie de Imperialismo do conhecimento. Ela faz “doudas espirais” e volta sempre ao mesmo ponto, denunciando o eterno-retorno, e mostrando a insustentável leveza do ser (mulher).
“Stamos em pleno” século XVI. Judith Shakespeare é confinada em casa. Se ela pudesse ler, saberia que a miram no exemplo daquelas mulheres de Atenas, para afastá-la das gregas faraônicas. Conheceria a faraó Hatshepsut, quase apagada da História pelo seu sucessor, por ser mulher. Querem subtrair a mulher da história ignorando que todos “são os filhos do deserto, onde a terra esposa a luz”, porque vieram da mesma Eva Mitocondrial. Se ela tivesse consciência de tudo isso, talvez tivesse tanto sucesso quanto seu irmão William. Mas Judith Shakespeare é uma mulher, não foi à escola e não existe.
“Stamos em pleno” século XX. “Lá nas areias infindas, das palmeiras no país”, nasceu Pagu. Ela foi educada, tem referências femininas como Tarsila do Amaral, exige seus direitos e, por isso, é taxada de subversiva. Portanto ela é o “Albatroz” que alça voo na tentativa de ver a representação feminina e não enxerga nada, tão ínfima é a participação. “Que quadro d’amarguras!”. Ela desce, “desce mais, inda mais” para emprestar sua visão ao “turbilhão de espectros arrastadas em ânsia e mágoas vãs”. Perfeita cozinheira das almas deste mundo modernista, intercedei por todas as mulheres sem voz, remova a mordaça que as deixa “sem luz, sem ar, sem razão”!
“Stamos em pleno” século XX, e os negros representam apenas 3% do prêmio Nobel. Sua história é uma colcha de retalhos bordada por mãos brancas de países que dominaram a África. A tribo dos homens nus, que ainda “perecem de fome, cansaço e sede”, continua na penumbra da vida. A primeira romancista de Moçambique, Paulina Chiziane, diz não ter liberdade para escrever como um homem: “somos prisioneiras”. “Presa nos elos de uma só cadeia, a multidão faminta cambaleia” através dos séculos, procurando um teto todo seu.
O conhecimento liberta da “corrente – férrea, lúgubre serpente” que ata à alienação. Por isso, o ambiente literário ainda é hostil às mulheres. Assim como as Irmãs Bronte usaram pseudônimos masculinos séculos atrás, e outras também usaram antes delas, em 1997, Joanne Kathleen Rowling, escritora de Harry Potter, assinava como J. K. Rowling por medo de não ser lida se soubessem que ela é uma mulher. Em 2013, Regina Dalcastagnè, professora da UnB, apontou em sua pesquisa que 72,7% dos autores publicados por grandes editoras no país eram homens. O futuro está atado ao passado.
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