Resenha: A Paixão Segundo G.H, de Clarice Lispector

 A minha primeira leitura de 2022 ainda ressoa na minha memória como se fosse ontem. Então, por que não fazer uma resenha? A Paixão Segundo G. H., de Clarice Lispector, me marcou de forma a se tornar um dos meus livros preferidos da vida. Falarei sobre minhas percepções a seguir.

Nessa postagem, mencionarei sobre:

  • a sinopse do livro e minhas impressões sobre ele;
  • a vida da autora;
  • as características de sua obra;
  • a forma da narrativa.


Bom, então me acompanhe para saber sobre o que achei dessa obra.


Resenha do livro A Paixão Segundo G.H


A Paixão (ou Martírio) de G. H - De que se trata?

A Paixão Segundo G.H, de Clarice Lispector, foi escrito em 1964 e já foi comentado pela escritora, como na entrevista concedida por ela ao Roda Viva. Vale muito à pena assisti-la inteira.

G.H. decide arrumar o quarto da empregada de sua casa que havia acabado de demitir. Durante a limpeza, ela reflete sobre sua vida até que ela toma uma atitude. É essencialmente sobre essa ação, suas motivações e consequências, que ela passa a narrativa a debater.

Já adianto aqui que o livro possui cerca de 178 páginas, dependendo da edição que você escolher, mas a densidade é de coletâneas.

Vida e Características de Clarice Lispector

Antes de nos aprofundarmos no livro, é necessário falar sobre quem é Clarice. Conhecer sua personalidade nos auxilia a atravessar a narrativa. Tal qual sua escritora, a obra é poética, enigmática, introspectiva e profunda.

Clarice Lispector nasceu em 10 de dezembro de 1920, na Ucrânia, que foi naturalizada brasileira. Ela passou a morar com sua família em Maceió, Alagoas, desde seu primeiro ano de vida.

A obra de Clarice costuma ser intimista, apresentando o indivíduo com suas reflexões, questionamentos e identidades. Portanto, a narrativa é introspectiva. Os pensamentos são livres e desordenados, não existindo uma linearidade. Essa forma de escrita também é bastante característica de Virginia Woolf, escritora inglesa do século XIX.

Não é o primeiro livro de Lispector que eu leio. Experimentei “A Hora da Estrela”, quando eu tinha 15 anos, e devolvi o livro à biblioteca sem finalizá-lo por não compreender bem. Anos depois, eu o li inteiro e amei, ainda que algumas nuances me escapassem.

Eu também já li suas coleções de contos, como “Felicidade Clandestina”, e tenho alguns preferidos, entre eles, “Perdoando Deus”. É uma das minhas escritoras preferidas junto a Lygia Fagundes Telles.

Em A Paixão Segundo G.H, a escrita da autora segue o fluxo de pensamento da personagem até se defrontar com a epifania diante de situações cotidianas. O conceito de epifania se refere à revelação de algo que passa a ser compreendido, uma súbita compreensão da essência de algo.

Resenha do livro A Paixão Segundo G.H, de Clarice Lispector

O primeiro ponto que vale salientar é o nome do livro: a Paixão Segundo G.H. Acontece com algumas palavras, como romance e paixão, um pressuposto de significação mais usual, o que nos faz julgar que conhecemos o que elas querem dizer. Porém, boa parte das vezes não estão ligadas àquele amor romântico de filme de sessão da tarde.

Paixão, no caso desse título, evoca o martírio de Jesus Cristo e dos santos. Esse entendimento é um passo importante para decodificar o livro.

Digo decodificar porque, para mim, Clarice Lispector aborda assuntos profundos partindo de pontos banais com uma linguagem colhida, polida. Ela parece apalpá-las antes de usar para saber se estão no ponto, se vão se aproximar o suficiente da ideia proposta.

Nem sempre sabemos degustá-las de primeira ou mesmo corretamente. Muitas vezes o gosto não agrada e rejeitamos, podendo voltar futuramente à experimentação ou não. Outras vezes até apreciamos o gosto, mas não sabemos descrevê-lo.

Então, podemos seguir pelo caminho de a cada parágrafo, a cada mordida, tentar exprimir o que apreendemos e tentar buscar o que não entendemos. Ou seja, dar uma pausa para pesquisar e refletir. Ou simplesmente podemos permitir que a sensação e o gosto trilhem o caminho até o final, sem fôlego, como uma queda livre.

Então, para mim, para ler Clarice, precisa decodificar pelas palavras ou, ao menos, pela sensação. Parte do livro enveredei de uma forma mencionada acima; parte, de outra.

No começo do livro, apesar de saber a sinopse, eu não estava entendendo tão bem a construção das frases. Eu lia e parecia que estava lendo um enigma. Segui assim até por quase metade do livro, cambaleando ora para o “ah, entendi tudo e faz muito sentido”, ora para o “do que ela está falando mesmo?”. Então, se sua experiência for como a minha, não desista: vai valer à pena.

Em seguida, tomei o outro caminho e a cada parágrafo eu parava para interpretá-lo. Prestei até mais atenção à própria linguagem da Clarice do que na história da G.H., embora estivesse fazendo tudo ao mesmo tempo. É que fiquei espantada com a qualidade, com as construções, com a escolha de palavras tão certeiras. Vez ou outra eu parava apenas para olhar a parede e dar um descanso aos meus olhos que brilhavam. Escrever esse texto me evoca aquelas sensações que acredito terem ficado impressas em mim.

Depois, talvez nos últimos 7 capítulos, voltei ao fluxo da leitura da sensação. Eu apenas lia, absorvia e entendia na mudez. Penso que era isso mesmo que a autora queria. Ou não.

De todas as formas que li, consegui compreender e interpretar ao meu modo. G.H. é uma mulher com uma vida confortável, estagnada e medrosa. Isso tudo ela nos diz quando menciona sua terceira perna, em que ela usava para sempre se manter estável, organizada, mas que a impedia de correr, de ir atrás. Para ela, estava tudo bem, uma vez que ela tinha medo e buscava a segurança da organização. Ela sabia categorizar-se muito bem: mulher, rica, sem marido e sem filhos, moradora de uma cobertura, escultora e estável. Entrar no quarto a desestabilizou, ou melhor, a desorganizou.

As ideias são expressas contrapondo sensações e percepções diferentes. Um deles é o úmido versus seco. Essa noção aparece diversas vezes nas passagens do capítulo para contrapor realidades diferentes.

Para ela, o úmido é o conforto e o quarto da empregada se torna um deserto seco. Desse ponto do deserto, há relações bíblicas como as tentações de Cristo, pois ela também é tentada ali; históricas, já que ela faz comparações a pinturas rupestres e hieróglifos relacionadas ao desenho que Janair, a empregada, deixou na parede, de um homem, uma mulher e um cachorro, denotando a civilização; histórico-geográfico, quando ela olha pela janela e faz as comparações com lugares antigos que já foram destruídos.

Existem diversas relações e referências que seriam difíceis de mencionar sem entregar os temidos spoilers. Por isso, encerro minha resenha aqui com a vontade de contar muito mais. Quem sabe fica para uma próxima? Até lá, confira outras resenhas e textos sobre literatura aqui do blog.


Compartilha com a gente nos comentários se já leu esse livro, se tem curiosidade de lê-lo ou suas percepções gerais sobre Lispector. Eu vou adorar ler.

Me acompanhe também no Instagram e no Pinterest.

Comentários

Postagens mais visitadas