Resenha: A Casa dos Espíritos, de Isabel Allende
Acredito que a leitura atual conduz à próxima, seja para complementar, para contrabalançar ou para simplesmente descansar. Tendo em vista que minha primeira leitura do ano foi A Paixão Segundo G.H, de Clarice Lispector, faça sua aposta do motivo que me conduziu até minha segunda leitura: A Casa dos Espíritos, de Isabel Allende.
Ambas as obras foram escritas por mulheres geniais, mas nem mesmo a temática ou modo da narrativa são similares. Enquanto a primeira leitura foi densa como um quebra-cabeça para mim, mergulhando na psique na tentativa de decodificar antes que a esfinge me devorasse, a segunda foi mais como olhar de fora, acompanhar sem dificuldade de compreensão e sem participação.
A primeira vez que ouvi falar sobre A Casa dos Espíritos imaginei que seria algo medonho, ao menos sombrio, e até cheguei a prorrogar a leitura. Sim, o livro menciona espíritos. Mas no Realismo Mágico, gênero literário a que pertence, isso assume uma naturalidade nada aterrorizante. Usando da linguagem metafórica e narrando eventos no mínimo estranhos, inusitados, a crítica social nos aponta o que tem mais de assustador: a realidade.
Nessa postagem, mencionarei sobre:
- a sinopse e minhas impressões sobre a narrativa;
- a vida da autora;
- o realismo mágico;
- a representação das mulheres na obra;
- a ditadura e a violência.
Bom, então venha comigo para saber mais sobre o que achei dessa obra.
A Casa dos Espíritos é sobre história, mulheres, violências e muito mais
A Casa dos Espíritos, publicada em 1982, narra a história da família Trueba através das gerações. Os acontecimentos históricos chilenos permeiam a obra e é marcado por oposições entre os personagens, como do avô latifundiário e da neta socialista. Um dos cenários da história é a ditadura chilena.
Não poderia ser diferente, já que a autora Isabel Allende é sobrinha de Salvador Allende, que governou o Chile até ser deposto por um golpe de estado em 1973, liderado pelo general Augusto Pinochet.
Como consequência, a família de Isabel se muda para Caracas, lugar em que ela começa sua produção literária. A Casa dos Espíritos é sua obra mais renomada é apresenta seu ativismo feminista, além das menções históricas e sobre o Chile já comentadas acima.
Mulheres fortes na literatura, mulheres fortes na realidade
Sobre o ponto do feminismo, uma das principais características e um dos motivos que mais me fizeram gostar da leitura é a construção das mulheres na narrativa. Cada uma tem sua forma de expressar, podendo ser mais agressiva ou mais branda, mas todas se expressam.
A impressão que dá a força dessas mulheres é que elas não são apenas protagonistas do livro, mas como de suas próprias histórias, tendo ações e pensamentos próprios, influenciando os rumos da narrativa. Não é à toa que Clara, Blanca e Alba são parte do núcleo principal. Aliás, todos esses nomes remetem à cor branca.
Clara é clarividente. É apresentada já no primeiro capítulo e acompanhamos a infância excêntrica rodeada por espíritos até se tornar a matriarca da família Trueba. Dentre seus muitos filhos está Blanca, uma garota decidida com ações que vão contra os costumes de sua época.
A rebeldia se acentua ainda mais em sua filha Alba, jovem socialista e corajosa na batalha contra a ditadura. Ela fica em campos opostos de seu próprio avô, Esteban, patriarca da família, que representa o típico latifundiário da política velha, elitista e preconceituosa. Ainda assim, os dois possuem um vínculo forte e emocionante.
É justamente essa dualidade que engrandece a narrativa. Se as pessoas com pensamentos distintos apenas se odiassem, seria uma construção fácil. A forma como Isabel cria, costura e fortalece laços, muitas vezes quase transformando-se em nós, é exuberante.
Narrativa dos personagens
Indo além da representação das mulheres, a narração dos personagens no geral nos prende à história. A narrativa apresenta pontos de vista diferentes, dando mais profundidade a cada um da família Trueba, já que a história é contada ao mesmo tempo por Alba, Clara e Esteban.
Os conflitos familiares entre eles também são geracionais e políticos. Os entendimentos e desentendimentos nos guiam através dos capítulos sem nos darmos contas das centenas de páginas que depois deixam saudades.
Ditadura, abusos e cenas fortes
A narrativa é tão bem construída e fluida, que ajudam a completar a travessia com a sensação de curiosidade e descoberta a cada página. Há temas incômodos e, por isso, necessários. Estupro, violência, opressão são recorrentes ao longo das páginas.
A atmosfera não fica de todo pesada justamente pelos balanceamentos com passagens mais leves, amorosas e divertidas. Não me passou a sensação de algo forçoso, mas de algo como a vida é. Em meio à guerra, existe o amor, especialmente entre guerrilheiros e seus cônjuges ou suas famílias, por exemplo. Isso acontece na vida e no livro.
O realismo mágico corrobora com esse equilíbrio. Esse movimento literário que combina o real com o irreal por meio de elementos fantásticos e mágicos, que utiliza experiências sobrenaturais e que muitas vezes possui um tempo cíclico em vez de linear, é de certa forma uma resposta latino-americana às ditaduras.
Assim, ao passo que é possível nascer pessoas com cabelo verde e ocorrem outros acontecimentos que deixam a história com um ar até mesmo poético, a realidade e a brutalidade se mantêm presentes nos lembrando como a história é sempre cíclica.
Se qualquer um desses pontos te chamou a atenção, leia. Você acabará encantado pelos outros. Eu pretendo fazer uma releitura em breve e tenho certeza de que minha interpretação será enriquecida. Nesse caso, farei outra postagem para atualizar. Até lá, confira outras resenhas e textos sobre literatura aqui do blog.
Deixa para mim nos comentários se já leu esse livro e quais são suas impressões. Caso não tenha lido, me conta se o texto conseguiu te convencer a colocá-lo na sua lista de próximas leituras.
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